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Catalina Gomez, Rio de Janeiro Community Manager

Photos: Genilson Araujo, Rosilene Miliotti

A Maré é uma das maiores comunidades do Rio, composta por 16 favelas e mais de 130 mil moradores. Recentemente o Observatório de Favelas e a Associação Redes de Desenvolvimento da Maré — Redes da Maré — completaram um Guia de Ruas que permitirá a seus moradores ter conhecimento detalhado das ruas e endereços desta importante comunidade. Este é um grande esforço que também permitirá incluir todas as ruas, becos e travessas da Maré dentro do mapa oficial da cidade do Rio de Janeiro.

Iniciativas como o Guia de Ruas da Maré destacam a importância de aproximar as comunidades de baixa renda da chamada “cidade formal” e ser realmente reconhecida como parte integrada da cidade.

URB.im conversou com Dalcio Marinho Gonçalves, Coordenador Geral do Censo Maré e aprendeu muito sobre esta iniciativa pioneira que está apontando para uma maior e melhor integração das favelas do Rio de Janeiro. Aproveitamos também para conhecer melhor como é a parceria junto com o Instituto Pereira Passos, órgão da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, no mapeamento de várias favelas da cidade com o objetivo de incorporá — las ao mapa oficial da cidade.

URB.im: O Guia de Ruas da Maré faz parte de uma iniciativa maior chamada Censo da Maré. Quando inicia o processo de mapeamento da comunidade e quem participa?

Dálcio Marinho Gonçalves: O Censo Maré é uma iniciativa das Instituições da sociedade civil denominadas Associação Redes de Desenvolvimento da Maré (ou, simplesmente, Redes Maré) e do Observatório de Favelas. Foi apoiado pela Organização ActionAid, a Fundação Ford e a Empresa Petrobras. Contou, ainda, com o apoio institucional do Instituto Pereira Passos e das 16 Associações de Moradores da Maré.

O trabalho envolveu muitos tecedores, como são chamadas todas as pessoas que atuam na Redes da Maré, e colaboradores das duas instituições parceiras (Redes da Maré e Observatório de Favelas), quer sejam do setor Administrativo, da Comunicação Institucional, da Mobilização Comunitária etc.

O mapeamento da Maré foi a primeira etapa do Censo Maré, sendo realizado na sequência o Censo de Empreendimentos Econômicos e o Censo Domiciliar da região. A equipe técnica diretamente voltada para o mapeamento da Maré foi composta por dois geógrafos, um técnico em geoprocessamento, um técnico em topografia e três assistentes de campo. Teve início em março de 2011, com a harmonização e impressão das bases cartográficas até então existentes. No mês seguinte, abril de 2011, foi iniciado o trabalho de campo, que envolveu a checagem, correção e acréscimo das informações correspondentes à atual realidade do território da Maré.

O Censo Maré conta com uma coordenação geral formada por representantes das duas instituições proponentes do projeto. Esta tem como função básica articular as parcerias dentro e fora da Maré para viabilizar o Censo em todas as suas etapas e possibilidades advindas da sua realização.

Qual foi a reação da comunidade?

A reação dos moradores da Maré foi e ainda é muito positiva. De fato, há um reconhecimento do nosso trabalho, no sentido que estamos buscando a participação de todos os residentes, sendo uma ação política para visibilizar no mapa da cidade do Rio de Janeiro uma região importante que não tinha, até então, esse direito reconhecido. Temos como pressuposto, em toda ação desenvolvida pelas Redes da Maré e Observatório de Favelas, buscar o protagonismo das pessoas diretamente atingidas pelo trabalho que realizamos. Neste sentido, o Censo Maré é, antes de tudo, um meio de chegarmos aos moradores da Maré e discutirmos as razões de as favelas serem estigmatizadas e de serem negligenciados a seus habitantes direitos básicos reconhecidos em outras partes da cidade.

No tocante a integração da base cartográfica da Maré ao banco de dados do Instituto Pereira Passos, é esse o intento maior de viabilizarmos essa ação. Entendemos que o Poder Público deve realizar esse trabalho junto às áreas de favelas e periferias que até o momento não figuram no mapa da cidade. Já vemos isso acontecer, na medida em que fomos chamados a contribuir com o IPP na realização do mesmo trabalho em outras favelas da cidade.

Especificamente, como foi o processo de mapeamento de ruas da Maré? Que metodologia foi utilizada?

O Instituto Pereira Passos nos cedeu a base cartográfica que já vinha sendo atualizada no âmbito da Prefeitura, mediante o uso de software de geoprocessamento (Sistema de Informações Geográficas — SIG ou, em inglês, GIS), através da análise de imagens geradas por satélite.

No caso do Censo Maré, utilizamos como metodologia a malha de setores censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e seu método de cobertura. A equipe de campo visitou todos os setores, munidos de croquis e de ortofotos da área. Percorreram os mais de 850 logradouros encontrados, quarteirão por quarteirão, como no método utilizado no censo brasileiro. Conferiram junto aos moradores a identificação das vias (toponímia) e registraram o Código de Endereçamento Postal, onde existia. As anotações foram trazidas para o sistema de geoprocessamento. As divergências (inconsistências) foram observadas e, se necessário, checadas mais uma vez em campo.

Paralelamente, houve reuniões com os presidentes das Associações de Moradores para validação dos nomes das ruas e dos limites de cada localidade (favelas) do bairro Maré (obs.: o bairro Maré é composto por 15 favelas e mais uma, a décima — sexta, oficialmente fora dos limites do bairro, mas, dado seu processo histórico de constituição, também reconhecida como parte do conjunto de favelas da Maré).

Como mencionado, a equipe técnica mais diretamente voltada para o mapeamento da Maré foi composta por dois geógrafos, um técnico em geoprocessamento, um técnico em topografia e três assistentes de campo. Além disso, integrantes da Direção, do setor de Comunicação Institucional e do setor de Mobilização Comunitária da Redes da Maré organizaram os encontros com os representantes das associações. Por fim, a versão final do mapa, com os nomes dos logradouros, foi submetida e aprovada em reunião plenária com os representantes das associações.

Que acontece com as ruas não asfaltadas, aquelas que ainda não tem nome ou aquelas sem código postal?

Todas as vias de uso público, coletivo, estão mapeadas e identificadas. Quando um logradouro não tem nome, e isso é confirmado e legitimado pelos moradores, o fato é informado no Guia (por exemplo, Beco sem nome). Vários logradouros ainda não tem Código de Endereçamento Postal. Esperamos que o Guia contribua para que isso seja corrigido o mais rapidamente possível pelos Correios e pela Secretaria Municipal de Urbanismo.

Neste sentido, já organizamos uma reunião com as 16 Associações de Moradores da Maré e o próximo passo será, justamente, discutir com a Prefeitura como acontecerá esse trabalho de formalização das ruas da Maré. O nosso trabalho não acaba no mapeamento das ruas da Maré, mas vai até o momento que conseguirmos ver todas as ruas com nome, placa, CEP e tudo que se refere ao direito de qualquer uma delas.

O mapeamento de ruas da Maré e de outras favelas tem consequências muito importantes para aquelas comunidades. Estas consequências são simbolicas e praticas. Poderia compartilhar sua visão sobre os aspetos positivos do processo de mapeamento?

Para que se supere a invisibilidade de um lugar no cenário da cidade é necessário, primeiramente, que os moradores o reconheçam e valorizem o pertencimento a ele. A Maré foi definida legalmente como bairro desde 1994 e muitos moradores ainda desconhecem isso. Boa parte ainda continua informando que mora em Bonsucesso, bairro que polariza a região.

No entanto, depois do desmembramento da Maré, Bonsucesso conta com cerca de 19 mil moradores, enquanto a Maré, mais de 130 mil. Ainda assim, a maior parte das pessoas da cidade, de todos os segmentos, não reconhece a importância social, cultural e econômica da Maré na mesma medida em que reconhece a de Bonsucesso. Isso faz diferença na forma de agir do poder público, em todos os setores, e, sobretudo, no direcionamento dos investimentos. Entre 160 bairros, a Maré é o 9º (nono) mais populoso do Rio de Janeiro, com um contingente de moradores tão expressivo quanto o de Copacabana ou da Barra da Tijuca. No entanto, cabe a pergunta: quanto do orçamento vai para esses bairros e quanto vem para a Maré? E é óbvio que somente depois dos investimentos públicos é que os investimentos privados crescerão.

Fazer o mapeamento e publicar o Guia de Ruas da Maré é uma iniciativa que contrapõe a ideia de que a favela é o dito aglomerado subnormal. Ampliar as referências cartográficas deste território significa dar mais visibilidade às dezenas de milhares de moradas para as quais o ato de declarar o endereço ainda tem efeito vão ou desfavorável ao morador no contexto da cidade. Este produto é uma importante contribuição para que os cariocas reconheçam este lugar como o bairro que, de fato, é.

A Prefeitura de Rio tem anunciado que aquelas favelas com UPP serão mapeadas e suas ruas serão inclusas no mapa oficial da cidade. Como será aquele processo? A Redes de Desenvolvimento da Maré está apoiando o processo de mapeio de outras favelas?

O Instituto Pereira Passos — IPP, da Prefeitura do Rio, é o órgão coordenador do Programa UPP — Social. Uma das lacunas patentes desse trabalho é justamente a falta de mapas completos e atualizados das favelas. O IPP também é responsável pela produção cartográfica da cidade e, assim, decidiu realizar o levantamento e a identificação de todos os logradouros das favelas a partir de um grande trabalho de incursões ao campo, ou seja, percorrendo todos os territórios por completo.

Isso parece óbvio, mas boa parte dos mapas de favelas da cidade foi produzida basicamente por interpretação de imagens (antes obtidas em vôo e, atualmente, por satélites), com visita apenas às vias principais.

Com isso, o mais frequente são becos e travessas que não aparecem nos mapas ou, vice versa, vias que aparecem nos mapas, mas não existem no território, seja devido a um erro de interpretação das imagens ou por alterações na ocupação do território com o passar dos anos. São comuns também os logradouros sem nome ou com identificação jamais conhecidas pelos moradores.

Assim, a Prefeitura ampliou a parceria que tinha com a Redes da Maré, em torno do Censo, e agregou nossa experiência ao processo. Nesta perspectiva, a Redes de Desenvolvimento da Maré e o Observatório de Favelas se tornaram parceiros do IPP nessa tarefa. A metodologia que utilizamos na Maré está sendo replicada conforme os objetivos que o IPP tem para este levantamento.

A Redes da Maré e o Observatório de Favelas capacitam os agentes de campo do Programa UPP — Social e sistematizam as informações coletadas. A produção é transferida para o IPP, que vetoriza as informações nas bases cartográficas existentes e executa diversos procedimentos de checagem e validação das mesmas, inclusive com verificação em campo, se necessário. O resultado final é a atualização da cartografia desses territórios e a revisão dos mapas da cidade.